(Texto teatral de Lou de Olivier)
Personagens:
Paulinho
Julinho
Criança 1
Criança 2
Criança 3
LARANJA (a anta)
Cenário: Apenas algumas árvores. O restante serão acessórios. (Luzes
coloridas piscando no palco. O narrador fala, em off).
NARRADOR - Muito, muito tempo atrás, existiu um paraíso cheio de árvores,
flores, frutas, animais, muitos animais. E, neste paraíso, vivia Laranja, uma
anta muito esperta e brincalhona. Laranja morava com seus pais, irmãos e
mais centenas de antas azuis, vermelhas, rosas, brancas, roxas, enfim, antas
de todas as cores. As antas se davam muito bem com todos os outros animais
e todos viviam felizes naquele paraíso. (som de ventania) Num dia de inverno,
úmido e frio, alguns homens chegaram a esse paraíso e, encantados com sua
beleza, logo se instalaram por lá. Derrubaram algumas árvores, construíram
suas casas, levaram suas famílias para esse paraíso, derrubaram mais árvores,
construíram estradas, saíram caçando animais para se alimentarem... Em
pouco tempo, o paraíso já não era mais um paraíso, o ar estava poluído, as
poucas árvores que sobraram, serviam de balanço para as crianças, as flores
eram esmagadas pelo asfalto, as frutas eram comidas e os animais, caçados
pelos homens... E tanto caçaram os animais, que eles foram sumindo aos
poucos. Até as antas foram caçadas, para fazer luvas, uma a uma. Só Laranja,
que era uma anta mágica, conseguiu escapar desse massacre e, usando seus
poderes mágicos, fugiu assustada, para outro planeta. Viajou muitos anos-luz
e encontrou Antares, onde viveu sozinha até hoje. Mas, Laranja sentia-se tão
sozinha no planeta Antares, que não resistiu à idéia de voltar ao paraíso
terrestre. E, hoje, ela está de volta, cheia de esperanças e sonhos, imaginando
voltar a viver no paraíso, afinal, depois de tanto tempo, os homens devem
estar mais bonzinhos e não farão mal a ela... Será que não farão? (música de
suspense, as luzes piscam com estroboscópicas e muita fumaça, de onde sai à
anta laranja, que anda pelo palco todo, em passos lentos. Ao pararem as
luzes, a anta, assustada, olha para todos os lados, enquanto continua andando
pelo palco. Avista um menino brincando e, com medo, se esconde atrás de
uma árvore).
PAULO - (assusta-se) Que foi isso? Quem fez esse barulho? (pausa) Quem
está aí? (como não obtém resposta, volta a brincar. Pausa 5". A anta olha
assustada, curva-se, olha para o menino e volta a se esconder, rápida. Paulo
volta-se) Quem está aí? (pausa) Você está me assustando. Seja lá quem for,
apareça agora mesmo... (pausa 5". O menino sai procurando pelo palco todo,
até se aproximar da árvore e olha atrás dela, ao mesmo tempo em que a anta
se curva para olhá-lo e um se assusta com o outro).
PAULO/LARANJA - Ahhhh!!!
PAULO - Quem é você?
LARANJA - Quem é você?
PAULO - Não vale, eu perguntei primeiro.
LARANJA - Sou uma anta, meu nome é Laranja. E você?
PAULO - Sou um menino, meu nome é Paulinho. Muito prazer. (estende a
mão)
LARANJA - (correndo e chorando) Não me bata! Não fiz nada pra você me
bater.
PAULO - Ei, pra quê tanto medo? Não vou te bater, só quero te cumprimentar.
LARANJA - Me cumprimentar?
PAULO - É, assim, ó. (pega a mão da anta e coloca na sua mão,
cumprimenta-a).
LARANJA - (rindo, bobamente) Que legal! Gostei disso. Posso fazer de novo?
PAULO - Claro! (cumprimenta-a novamente)
LARANJA - Você é legal. Não é como os meninos que conheci antes. Eles me
batiam, jogavam pedras em mim e os pais deles caçavam todos os animais
daqui.
PAULO - (assustado) É? Quando isso aconteceu? Quem te caçou?
LARANJA - (cabisbaixa) Deixa pra lá. Faz muito tempo... Acho que as crianças
de agora são mais boazinhas, não são?
PAULO - Claro que são.
LARANJA - Não jogam mais pedras nos animais nem os pais delas caçam a
gente, né?
PAULO - Isso aí.
LARANJA - Tem certeza?
PAULO - Claro que tenho. Olha, vou te apresentar pros meus amiguinhos.
Tenho certeza de que eles vão adorar te conhecer. Vem!
LARANJA - Não, depois você me apresenta. Está tão bom aqui, tão calmo e
você é tão legal. Vamos brincar um pouco.
PAULO - Ta bom. Do quê você quer brincar?
LARANJA - Sei lá. Do quê você sabe brincar?
PAULO - Sei um monte de brincadeiras, esconde-esconde, pega-pega, bola de
gude, cabra-cega, futebol...
LARANJA - (rindo) Gostei dessa. Como é?
PAULO - Futebol? É assim. (corre e pega uma bola imaginária) Eu chuto a
bola e você tenta pegar, ta? Você é o goleiro. (marca o lugar da trave) Olha,
eu vou chutar e você tem de pegar a bola. Não pode deixar ela entrar dentro
da trave, ta?
LARANJA - Que que é trave?
PAULO - É este risco que eu fiz aqui. Preparada? (Laranja acena) Então, vou
chutar! (chuta a bola)
LARANJA - (pega a bola) Oba! Peguei! Peguei!
PAULO - Legal. Agora, eu sou o goleiro e você chuta, ta?
LARANJA - Ta. (trocam de lugar)
PAULO - Vamo lá! Pode chutar! (Laranja, desajeitadamente, chuta a bola,
Paulo a pega) Peguei! Agora, eu chuto, ta? (trocam de lugar) Vou mandar um
torpedo, hein? Segura essa! (chuta violentamente, acerta a cabeça de Laranja,
que cai meio tonta).
LARANJA - Aiii!
PAULO - Pôxa, Laranja, desculpa! Você se machucou?
LARANJA - (tentando se levantar) Acho que não, só to meio tonta...
PAULO - (ajuda-a a levantar-se) Pôxa, desculpa!
LARANJA - Tudo bem. (segura a cabeça) Ai!
JULIO - (entrando) Paulinho, vamos brincar de... Ei, que é isso?
PAULO - É minha amiga, a anta Laranja.
JULIO - Anta Laranja? (ri) Que bicho esquisito! (mexendo na anta) Olha, que
gorducha! Que sarro! (grita) Ei, pessoal, corram aqui. Venham ver que bicho
horroroso! (entram mais três crianças)
CRIANÇA 1 - Que foi Julinho? Que berreiro é esse?
JULIO - Olhem, que bicho horrível que o Paulinho achou!
CRIANÇA 2 - - Nossa, é mesmo!
CRIANÇA 3 - Vamos zoar com ele?
JULIO - Isso aí! (as crianças correm até Laranja, fazem-na girar muitas vezes)
PAULO - Parem com isso, ela é legal!
JULIO - Que legal, o quê. É um bicho horrível!
CRIANÇA 1 - Vamos jogar pedra nela?
TODOS (MENOS PAULO) - Vamos! (todos pegam pedras imaginárias e atiram
em Laranja, que tenta se proteger. As crianças gritam e riem muito).
PAULO - Parem com isso! Vocês estão assustando minha amiga anta!
JULIO (possesso) - Tive uma idéia! Vamos fazer uma fogueira e tacar fogo
nessa coisa horrível?
CRIANÇAS - Vamos! Legal!
LARANJA - Parem! Eu não fiz nada de mal pra vocês. Eu só quero brincar.
(chora) Só quero ter amigos! (sai, correndo e chorando).
PAULO - Viram o que vocês fizeram seus desalmados? A coitadinha fugiu!
JULIO - Que se dane!
PAULO - Não é assim, que se dane. Pôxa, ela é um animal, mas sente dor e
alegria, como nós.
CRIANÇA 2 - - Ela é muito feia!
CRIANÇA 3 - Ela é muito gorda!
CRIANÇA 1 - Muito laranja!
JULIO - E muito boba!
PAULO - Ela não tem culpa de ser feia, se é laranja, é porque é uma anta
laranja, só podia ser dessa cor, mesmo. Se for boba, é porque não está
acostumada com a gente e, se é gorda, é porque ainda não inventaram um
adoçante pra anta...
JULIO - Adoçante pra anta?
PAULO - Ué, igual ao que a mãe da gente põe no café.
JULIO - Já sei, quando eu crescer, vou abrir uma fábrica de adoçante e fazer
um monte de comida dietética pra anta. Já pensaram? Vou ficar milionário com
a linha de adoçanta anta diet.
PAULO - Não muda de assunto, não. Vocês espantaram minha amiga anta e
agora ela está perdida por aí, assustada e infeliz. Logo, vai escurecer e ela vai
passar a noite no sereno, com frio, com fome, coitadinho! E a culpa é toda de
vocês, seus desalmados! (funga)
CRIANÇA 1 - Pôxa, assim a gente vai se sentir culpado, se essa droga de anta
não voltar!
PAULO - A culpa é de vocês, mesmo! E, quer saber do que mais? Se alguma
coisa ruim acontecer com a Laranja, vou falar pro meu pai processar vocês.
Meu pai é advogado e vai jogar todos vocês atrás das grades por homicídio
culposo e premeditado, seus assassinos!
CRIANÇA 2 - - (chorando) - Eu não quero ficar atrás das grades, não!
CRIANÇA 3 - Nem eu! (chora)
PAULO - Vocês vão apodrecer na cadeia, ta?
CRIANÇA 1 - Não quero apodrecer na cadeia!!! (chora. As três crianças
choram juntas).
JULIO - Ah, vamos parar com este papo furado e esta choradeira. Ao invés de
chorar, vamos procurar a anta e pedir desculpas pra ela. Vamo lá. (bate
continência) Sargento Júlio de Almeida se apresentando para a árdua missão
de resgate à anta Laranja. Cabo, você vai para o norte!
CRIANÇA 1 - Sim, senhor!
JULIO - Soldado, você vai para o sul!
CRIANÇA 2 - - Sim senhor, sargento!
JULIO - E você, capitão, vai para o leste!
CRIANÇA 3 - Se sou capitão, não recebo ordens de você, sargento e não vou
procurar anta nenhuma!
JULIO - No meu quartel, mando eu e você tem de me obedecer, capitão,
senão, arranco suas divisas, te rebaixo a cabo raso e ainda queimo a sua
coleção de gibis em praça pública. Que que cê me diz?
CRIANÇA 3 - Sim senhor, sargento, eu vou pro leste!
JULIO - Ótimo. E eu vou pro oeste. Você, coronel Paulo, fica aqui, para o caso
da anta voltar!
PAULO - Ta.
JULIO - Atenção, pelotão de caçadores da anta perdida, em frente, marchem!
(todos batem continência e saem cada um para o seu lado) Um, dois, um,
dois, um, dois...
PAULO (cabisbaixo, caminha alguns segundos pelo palco, para, senta-se, fala
triste) Droga, perdi minha amiga. (funga) Será que ela vai voltar? (olha em
volta) Já vai escurecer daqui a pouco... Pra onde será que ela foi? (pausa 5")
Ah, quer saber? Não vou ficar parado, enquanto a minha amiga gira perdida
pela cidade. (levanta-se) Vou procurar por ela. (sai de cena) Blecaute por 5".
Luz em Laranja, que está sentada no centro do palco, cabisbaixa, ela funga,
dando a impressão de estar chorando:
LARANJA (cantando) - Eu sou uma anta / uma anta laranja / sou gorducha /
tenho corcovas e uma enorme franja / fui querida pela minha família / e meus
amigos animais / até o dia em que tive que fugir das crianças e de seus pais /
viajei muitos anos-luz / e voltei ao paraíso que me seduz / esperando
encontrar crianças boas / flores e animais / e, quem sabe, um pouco de paz /
mas, pra todos, sou apenas um animal / um animal horrível e anormal / o
tempo é incrível / muda tudo e não muda nada / tantos anos depois / ainda
sou maltratada (vai parando de cantar) humilhada (quase falando) apedrejada
(fala, chorando) detonada (chora copiosamente).
PAULO (entra em cena, procurando por Laranja, avista-a e aproxima-se dela)
Laranja! Que bom que te encontrei! (tenta abraçá-la)
LARANJA (solta-se)- Não chega perto de mim! Você me enganou. Disse que
seus amigos eram bonzinhos, iam brincar comigo e eles só me maltrataram.
(funga)
PAULO - Mas, Laranja, eu não tive culpa, não pensei que eles fossem te
maltratar. Além disso, eu dei a maior bronca neles e estão todos te procurando
pra te pedir desculpas.
LARANJA - É, nada! Eles estão me procurando pra me bater, eu sei.
PAULO - Não, Laranja, eles estão arrependidos, querem ser seus amigos.
LARANJA - Não acredito. Vocês são crianças muito más. Apedrejam os
animais, pisam as plantas, penduram-se nas árvores e arrancam suas folhas,
matam os passarinhos...
PAULO (canta)- Somos apenas crianças / não sabemos de nada / se a
natureza é morta e maltratada / que sabemos nós? (anda em volta da anta,
que está sentada no centro do palco) Queremos brincar, viver, cantar / sonhar
com o futuro / o futuro é um muro / e do outro lado é escuro (Júlio entra em
cena, canta com Paulo, também andando em volta da anta) Somos apenas
crianças / não sabemos de nada / se a natureza é morta e maltratada / que
sabemos nós? (criança 1 junta-se a eles, cantando) Se os adultos do mundo
todo / pensassem por um só momento / que seu mundo de cimento / está
matando o mundo natural / cada calçada teria uma árvore / cada casa teria
uma planta / terra, em vez de mármore / nosso símbolo seria você, anta
(crianças 2 e 3 juntam-se a eles todos, inclusive a anta, dão-se as mãos,
brincam de roda, cantando) Somos apenas crianças / não sabemos de nada /
se a natureza é morta e maltratada / que sabemos nós? / Somos apenas
crianças / não sabemos de nada / se a natureza é morta e maltratada / quem
ouvirá nossa voz? (terminam de cantar, todos aplaudem)
LARANJA - É. Até que vocês não são tão maldosos quanto pareceram a
princípio... Vocês sabem até cantar!
JULIO - Desculpa, anta. Nós batemos em você porque você é feia e gorducha,
mas estamos arrependidos e agora vamos ser seus amigos, ta?
LARANJA - Ta.
CRIANÇA 1 - De onde você veio, anta?
LARANJA - Vou contar minha estória. (senta-se) Sentem aqui. (todos sentamse
em volta dela) Foi assim: há muitos anos, eu vivia aqui mesmo, nesse
lugar, junto com minha família e mais uma porção de animais e todos nós
éramos muito felizes. Um dia, alguns homens chegaram aqui e começaram a
construir casas, estradas, indústrias, outras pessoas vieram, o ar foi ficando
poluído, os animais foram todos caçados e só eu sobrevivi...
JULIO - Como você conseguiu sobreviver?
LARANJA - É que eu sou uma anta mágica. E, usando meus poderes mágicos,
fugi para outro planeta, o planeta Antares. Lá, eu vivi muitos e muitos anos,
mas sempre sentia muita saudade daqui. Um dia, resolvi voltar para cá, afinal
era melhor ter que fugir dos caçadores e das crianças maldosas, do que viver
pra sempre sozinha num planeta distante...
JULIO - Que tristeza, Laranja. E nós ainda batemos em você... Desculpa, ta?
LARANJA - Tudo bem, nem lembro mais.
PAULO - Será que não podemos fazer alguma coisa pros adultos pararem de
destruir a natureza?
JULIO - Já sei, vamos criar o S.O.S. Anta Laranja. Nós defendemos a anta e
ainda ganhamos dinheiro vendendo camisetas.
PAULO - Você só pensa em ganhar dinheiro, né, Júlio?
JULIO - O mundo é dos espertos, ué... E aí, vamos criar a Fundação S.O.S.
Anta Laranja?
LARANJA - É muito pouco, Julinho. Se vocês me defenderem da extinção,
ainda têm as árvores, os pássaros, as baleias, os micos-leões, os jacarés...
CRIANÇA 1 - Mas, se cada grupo defender um animal, no final, todo mundo
vai defender todo mundo, não é?
CRIANÇA 2 - É, até que pode ser.
JULIO - Resolvido por unanimidade: vamos fundar o S.O.S. Anta Laranja
agora mesmo. O meu pai tem uma gráfica e pode fazer folhetos pra gente
distribuir. CRIANÇA 1 - O meu pai é jornalista, pode fazer uma matéria pro
jornal.
CRIANÇA 2 - O meu pai tem uma fábrica de brindes, ele pode fazer chaveiros,
camisetas e agendas da Anta Laranja.
CRIANÇA 3 - E o meu pai tem uma Kombi.
JULIO - Grande droga! O que nós vamos fazer com uma Kombi nestas alturas
do campeonato?
CRIANÇA 3 - Ué, ele pode levar a gente pela cidade toda pra distribuir os
folhetos.
JULIO - É mesmo, até que é uma boa idéia... Que foi, Paulinho? Por que não
fala nada? Não gostou da nossa idéia?
PAULO - Adorei a idéia. É que eu estava pensando no que a Laranja falou, que
ela é uma anta mágica...
JULIO - É mesmo, Laranja, que tipo de mágica você sabe fazer?
LARANJA - Ah, um monte... por exemplo, posso transformar vocês em
animais.
JULIO - É mesmo? Então, me transforma num cavalo puro-sangue?
LARANJA - Não, tenho medo.
JULIO - Medo do quê?
LARANJA - De não saber te transformar em criança de novo. Já pensou você
passar o resto da vida sendo um cavalo?
JULIO - É mesmo. Pensando bem, é melhor você fazer uma mágica mais
simples, tipo... tirar um ramalhete de flores de um tubo, você sabe?
LARANJA - Sei. É só arranjar um tubo.
JULIO - Aí, pessoal, todo mundo procurando um tubo, rapidinho. (todos
procuram um tubo pelo palco)
CRIANÇA 2 - (grita)- Achei! (todos correm até onde a anta está e sentam-se)
LARANJA - Atenção, nada aqui, nem aqui... agora, vou acender a minha luz
mágica (acende-se a luz várias vezes, fumaça) e, aqui estão as flores!
CRIANÇAS - Que legal! (aplaudem)
LARANJA - Querem outra mágica?
PAULO - Não, Laranja, já é tarde, nós temos que ir dormir. Amanhã, temos
que levantar cedo pra começar a preparar o S.O.S. Anta Laranja.
JULIO - Isso aí. Vamos dormir, que amanhã temos muito o que fazer. Ô,
Laranja, quer dormir na minha casa?
PAULO - Nada disso, eu que encontrei a Laranja, ela vai dormir na minha
casa.
JULIO - Mas eu que tive a idéia de fundar o S.O.S. pra ela.
CRIANÇA 1 - Se é assim, ela dorme na minha casa, porque, se meu pai não
publicar uma reportagem, ninguém vai saber que a fundação existe.
CRIANÇA 2 - E, se meu pai não fizer os chaveiros, vocês não vão ter o que
vender e não poderão sustentar a fundação, portanto, ela dorme na minha
casa.
CRIANÇA 3 - E, se meu pai não levar a gente na Kombi, ninguém vai poder
distribuir folhetos nem vender nada, por isso, ela vai dormir na minha casa.
LARANJA (feliz)- Calma, crianças, tem anta Laranja pra todo mundo, calma.
Todos vocês são importantes pra me defender, por isso, cada noite, eu vou
dormir na casa de um de vocês, ta?
JULIO - Hoje é na minha!
PAULO - Não, na minha!
CRIANÇA 1 - Nada disso, é na minha! (todas as crianças discutem entre si)
LARANJA - Hoje, eu durmo na casa do Paulinho, amanhã na do Julinho...
CRIANÇA 1 - Depois de amanhã, é na minha, né?
LARANJA - É.
CRIANÇA 2 - - E, depois de depois de amanhã é na minha, né?
LARANJA - É. E bem depois é na sua, ta?
CRIANÇA 3 - Ta. (música: soul free. Eles dançam uma coreografia bem
marcada, terminando a coreografia, saem cantando)
LARANJA (cantando)- Agora, vamos dormir.
CRIANÇAS - Agora, vamos dormir.
TODOS - Agora, vamos dormir. (saem cantando e dançando) (blecaute 5", a
luz vai se acendendo lentamente, mostrando o dia que nasce. Paulinho entra
em cena, junto com Laranja. Os dois estão cabisbaixos e Laranja está cheia de
ciscos e poeira)
PAULO ( senta-se, desanimado)- Pôxa vida, meu pai é um chato, mesmo! Que
que custava deixar você dormir no meu quarto?
LARANJA - Deixa pra lá, Paulinho. Até que foi divertido dormir na casa do seu
cachorro. Ficou meio apertado, mas...
PAULO - Você não entende, Laranja? Como posso defender você, se meus
próprios pais não te aceitam? Como vou convencer as pessoas de que elas
precisam te preservar da extinção?
LARANJA (bobamente)- Não sei...
JULIO (entra em cena, emburrado)- Tenho uma péssima notícia! (senta-se)
Falei com o meu pai sobre o S.O.S. Anta Laranja e meu pai morreu de rir.
Disse que anta laranja não existe, que é fruto da minha imaginação e me deu
o maior sermão. Disse que devo de sentir muito sozinho pra inventar um
amigo imaginário tão esquisito assim...
PAULO - Esses pais metidos a psicólogos são uma barra! Assistem um ou dois
programas de conselhos na tevê e já acham que podem analisar a nossa
cabeça.
JULIO - Resumindo, meu pai não acredita em mim e não vai imprimir os
folhetos.
LARANJA - Mas, se o seu pai não quer ajudar porque não acredita que eu
exista, é só eu ir lá e me apresentar pra ele...
JULIO - Nem pensar, Laranja. Do jeito que o meu pai é, no mínimo, ele
telefona pro zoológico e manda o pessoal te levar e prender numa jaula...
(clima triste, pausa 5". Entram em cena as outras três crianças, sentam-se ao
lado deles)
CRIANÇA 1 - Gente, eu falei com o meu pai e ele ficou uma fera. Disse que a
tv ainda vai derreter nossos miolos. Já não bastam seres esquisitos como o Alf
e os Simpsons pra estragar a nossa cabeça, agora inventaram a Laranja.
PAULO - Mas, você não disse que a Laranja não tem nada a ver com a tv? Não
disse que ela é nossa amiga e que não é invenção nossa?
CRIANÇA 1 - Disse, mas o meu pai não acreditou. Saiu dizendo que vai fazer
uma matéria criticando os programas infantis e pedindo pras autoridades
competentes fiscalizarem melhor a programação das televisões, porque, afinal,
somos o futuro da nação. (faz beicinho)
CRIANÇA 2 - - Meu pai achou uma boa idéia fazer brindes e chaveiros (todos
se animam), mas achou a anta muito feia, pelo que eu falei pra ele. (todos se
desanimam) Ele acha que não vai vender nada. Falou pra gente defender um
animal mais bonito, tipo pantera negra, leão, sei lá, um animal que venda bem
a imagem da fábrica do meu pai...
CRIANÇA 3 - E meu pai disse que ele tem mais o que fazer do que carregar
cinco crianças e uma anta pela cidade.
PAULO - Ah, gente, não tem jeito! Nós somos só cinco crianças e uma anta.
Não temos força para mudar nada nesse mundo! (funga)
JULIO - Que droga! (funga. Todas as crianças suspiram, desanimadas)
LARANJA - Não fiquem tristes por minha causa. Vocês são meus amiguinhos,
gostam de mim e isso já me basta... eu... sou mesmo um animal esquisito...
além disso, passei tantos anos em outro planeta... acho que não me
acostumaria a viver aqui na Terra novamente... acho que tenho que voltar pro
meu planeta Antares e me conformar em viver sozinho lá... (funga)
PAULO - Não, Laranja, você não pode ir! Não pode nos deixar!
JULIO - Isso aí!
LARANJA - Não tem jeito, turma. Tenho que ir. Senão, só vou causar
problemas pra vocês. (pausa 5")
PAULO - Você vai? (Laranja acena) Vai mesmo? (silêncio. Todos estão
cabisbaixos, fungando)
JULIO - Então, transforma a gente em animais e leva a gente com você!
LARANJA - Não, Julinho. Não posso fazer isso. Vocês são meninos, têm que
viver como meninos. Além disso, se forem comigo, vocês farão falta pras
famílias de vocês... (pausa 5". Todos estão tristes e cabisbaixos) Vamos
combinar uma coisa: eu vou pro meu planeta agora, mas eu volto pra visitar
vocês, ta?
CRIANÇA 1 - Quando?
LARANJA - Quem sabe, no dia do seu aniversário?
CRIANÇA 2 - - E no meu aniversário, você vem?
LARANJA - Claro. Vou visitar cada um de vocês sempre que fizerem
aniversário, é só me convidarem.
JULIO - E como nós vamos te achar, pra te convidar?
LARANJA - Hum... deixa eu ver. Ah, já sei! Vou deixar esta lâmpada mágica
com vocês. Sempre que quiserem me ver, é só acendê-la e eu venho, ta? (as
crianças acenam, alegremente) Vou deixar a lâmpada com o Julinho, que é o
mais velho. (entrega-lhe a lâmpada) Você fica responsável pela lâmpada, ta?
JULIO - Ta!
LARANJA - Quando quiser me chamar, é só fechar os olhos, encostar esta
lâmpada no seu nariz e pensar em mim, que eu venho logo... (pausa) eu...
vou... indo...eu... (funga) não gosto de despedidas e... bom, tchau, pessoal...
(funga, Muita fumaça. Laranja entra na fumaça e desaparece. Júlio fecha os
olhos, encosta a lâmpada no seu nariz, pausa 5" e Laranja reaparece em meio
à fumaça) Já me chamou?
JULIO - Queria ter certeza de que funcionava mesmo...
CRIANÇA 3 - Você não vai nem cantar com a gente antes de ir embora?
LARANJA - Vocês querem que eu cante com vocês?
CRIANÇAS - Queremos!!! Música: Parabéns
TODOS (cantando)- Parabéns, parabéns / mais um ano se passou / mais
adulto você ficou / muitas coisas aprendeu / neste mundo que é seu /
parabéns, parabéns / no dia do seu aniversário / não cabe a tristeza / chame
seu amigo imaginário / para fazer muitas proezas / a anta canta / a anta
dança / a anta sacode a sua franja / a anta canta / a anta dança / a anta
sacode a sua franja. (Quando a música estiver terminando, Laranja entrará no
meio da fumaça, acenando para as crianças, que também acenarão,
alegremente. A música para. Foco de luz apenas nas crianças, que continuam
acenando. A luz se apaga totalmente)
FIM
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